Congonhas - Monumento Cultural da Humanidade

por André Candreva publicado 15/03/2018 15h26, última modificação 15/03/2018 15h26

Em 3 de dezembro de 1985 o precioso acervo artístico da cidade finalmente recebe o reconhecimento mundial

 
       Os homens que lutam pela preservação do patrimônio histórico e cultural de sua comunidade defendem algo mais que suas tradições. Defendem a própria identidade. Ninguém mais que a população de Congonhas soube defender essa identidade. Ninguém mais teve tão grande responsabilidade pelo tombamento. Isto porque a comunidade, ciente do valor do acervo, sempre defendeu de forma intransigente esse patrimônio, que em 1985 foi reconhecido pela Unesco como Monumento Cultural da Humanidade.
A decisão da Unesco veio premiar o esforço do governo e do povo de Congonhas, que sempre entenderam o caráter universal do acervo artístico e histórico deixado por Aleijadinho. A ideia de solicitar a declaração deste acervo como Monumento Cultural da Humanidade vinha de longa data, até que, no primeiro governo do prefeito Gualter Monteiro (1983 – 1988), a Sphan preparou a seu cuido, um processo minucioso que apresentado à Unesco em dezembro de 1984, foi aprovado por unanimidade na reunião anual da entidade em 3 de dezembro de 1985.
Quando ainda se preparava o projeto que seria enviado a Unesco, Congonhas recebeu a visita de duas celebridades internacionais que contaram pontos decisivos no tombamento. A primeira delas do subdiretor geral da Unesco, o sueco Anders Arivedson, que na época manifestou grande entusiasmo pelo acervo histórico de Congonhas. A outra, da diretora da Seção de Normas Internacionais para Preservação do Patrimônio Mundial da Unesco, Anne Raidt, que ficou entusiasmada diante da dimensão da obra de Aleijadinho e do conjunto que se pretendia tombar.
Na mesma época, o então secretário de Cultura, José Aparecido de Oliveira regressou de Paris onde manteve contatos com o Ministério da Cultura da Unesco. Informando naquela oportunidade de que o tombamento dependia em primeira instância, do dossiê completo sobre todo o conjunto. José Aparecido manteve entendimentos com o Ministério da Cultura, que em dezembro de 1984 enviou à delegação permanente do Brasil junto à Unesco, toda a documentação referente à proposta de tombamento.
Nessa etapa do processo foi fundamental o empenho e interesse da historiadora Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, conhecedora profunda do acervo de Congonhas. Foi ela quem minuciosamente preparou o dossiê enviado à Unesco, um completo relatório que descreve peça por peça todo o acervo de Congonhas. A ele foram anexadas fotografias de Claus Meyer feitas para o livro Passos da Paixão, editado pela IBM do Brasil, exibindo os diversos ângulos de cada unidade do conjunto, especificando a altura, largura e peso de cada obra.
Incluindo ainda no material enviado, um filme sobre o conjunto arquitetônico e escultórico da Basílica e inúmeros trabalhos de historiadores, reportagens e pesquisas feitas sobre o acervo.
Em agosto de 1985 a Unesco já estava com o dossiê completo sobre Congonhas. O próximo passo seria conseguir a inclusão do processo de tombamento na pauta de votação da reunião de delegados anualmente realizada em dezembro. Para que essa decisão não fosse adiada foram desenvolvidos todos os esforços possíveis, a partir da iniciativa do então prefeito Gualter Monteiro que voou até Paris para acompanhar de perto o andamento dos trabalhos. Depois da reunião preparatória, o projeto foi incluído na pauta de votação e na reunião principal realizada em 3 de dezembro de 1985, os delegados da Unesco aprovaram, por unanimidade, a proposta de tombamento. Finalmente Congonhas recebeu o merecido título de Monumento Cultural da Humanidade.
A elevação do conjunto histórico e artístico de Congonhas à condição de Monumento Cultural da Humanidade foi fruto do desejo de toda a comunidade, da tenacidade do prefeito Gualter Monteiro e da dedicação de autoridades e técnicos do Ministério da Cultura. Além do apoio que recebeu no Brasil, em Paris o projeto contou com a colaboração de outros brasileiros, como o embaixador Josué Montelo e representantes da Sphan. Outro grande artífice de todo o processo foi José Aparecido de Oliveira. Sua estratégia para a condução do projeto inclui a visita dos diretores da Unesco a Congonhas e constantes contatos internacionais com autoridades envolvidas no tombamento.
 
O Povo garantiu seu patrimônio
 
O tombamento do acervo cultural de Congonhas é antes de tudo uma conquista do próprio povo de que soube garantir seu patrimônio contra investidas externas. A primeira delas, em 1978 quando o Museu de Arte Moderna, do Rio de Janeiro, solicitou o empréstimo de algumas imagens dos “Passos da Paixão” para uma exposição no Rio de Janeiro. As imagens já estavam embaladas e alojadas em um caminhão quando uma passeata saiu às ruas para embargar a viagem.
Foi uma resistência profética, pois na semana seguinte o MAM seria consumido pelo incêndio que praticamente o destruiu. Como guardião maior do acervo de Congonhas a população voltou a mostrar sua força quando em 1983, se uniu à prefeitura e disse não à Embratur que tentava na época levar para Nova Iorque as imagens dos “Passos” para a exposição “De Aleijadinho a Niemayer”, realizada na sede da ONU. Juntamente com a prefeitura e o povo, praticamente todas as instituições culturais, governos de outros Estados, artistas e críticos apoiaram e incentivaram a resistência contra a saída das imagens e a batalha foi finalmente ganha.
O precioso acervo de Congonhas continuou no seu lugar e o tombamento muito se deve a essa resistência da população. A Unesco não tombaria um patrimônio desfalcado de suas principais peças ou espalhado em outras salas de exposição. É em Congonhas, é dentro do cenário onde foi originalmente concebido que este acervo resplandece em sua especial beleza.
 
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Texto extraído do Jornal Cidade dos Profetas – informativo da Secretaria Municipal de Educação de Congonhas – Outubro de 1993 – página 30 e 31.